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Como será amanhã?

Por George dos Santos Pacheco
10/01/24 - 10:03

“Se queres prever o futuro, estuda o passado.” (Confúcio)

As bailarinas dançavam no palco, frenéticas em seus maiôs multicoloridos, cobertos de lantejoulas brilhantes. Rodopiavam síncronas, ora espalhando-se pelo tablado, ora reunindo-se ao centro, abrindo os braços e jogando os cabelos para frente e para trás, saltando e erguendo as pernas; por fim, fizeram um corredor e aplaudiram o apresentador, vestido de terno e gravata, gel brilhante nos cabelos. Escancarava um enorme sorriso, movimentando o corpo também no ritmo da música. Além da quarta parede, o homem observava a cena sem muito interesse, afinal, todo domingo era assim.

“Boa tarde, galera!”, cumprimentou a plateia, com entusiasmo. “Boa tarde!”, repetiu o apresentador, com ainda mais ênfase, ao se aproximar das pessoas que o aplaudiam de pé no auditório. Correu de ponta a ponta, a mão espalmada batendo nas outras mãos, os braços esticados para tocar de leve no famoso comunicador e aparecer nas câmeras, aqueles singelos quinze segundos de glória.

“Feliz Ano Novo!”, saudava o homem novamente, meneando o casulo na mão esquerda – era alheio ao moderno teleprompter e preferia fazer tudo como sempre fizera, à moda antiga: “no feijão”, como se dizia popularmente. “E no último programa do ano, teremos aqui em nosso palco… atenção! Clima de mistério… teremos aqui em nosso palco um trio que promete surpreender com as previsões para o próximo ano!”, explicava ele sobre a primeira atração do dia, enquanto os contrarregras organizavam três púlpitos no centro e as dançarinas ocupavam as laterais. O homem sentado ao sofá inclinou o corpo para a frente, tomado de curiosidade, virando lentamente a caneca fumegante de café. A verdade é que todo ano é a mesmíssima coisa: programas de retrospectivas, especiais de TV e todo tipo de vaticínio para o período vindouro. E isso sempre desperta interesse.

“Com vocês, o quadro Como será amanhã!”, anunciou o apresentador, com voz empostada, enquanto os participantes ingressavam no palco, ao som da canção mote da atração, aplaudidos efusivamente pela plateia. Uma vidente, um astrólogo e um numerólogo ocuparam seus lugares e o público se sentou, as bailarinas cruzaram uma perna à frente da outra e as mãos para trás, numa pseudo posição de descansar.

– Vamos começar por fatos gerais. Como será amanhã? – conduziu o apresentador, num largo sorriso. A terapeuta holística e vidente, metida num grande vestido branco cheio de rendas, cabelos soltos sobre os ombros, a mão repleta de anéis coloridos, ergueu uma xícara branca à frente do rosto, mirando o fundo do vasilhame.

– Ano que vem será um ano problemático no campo dos transportes. Gasolina, álcool e diesel vão aumentar, impactando o preço dos alimentos. O trânsito das cidades ficará cada vez pior e teremos muitos acidentes automobilísticos, de avião... e ocorrerão alguns naufrágios também, inclusive em regiões ribeirinhas…

– De fato… – concordou o astrólogo, num tom firme, a cabeça levemente inclinada dando evidência ao volumoso turbante vermelho. – Hum-hum... a conjunção de Júpiter com Urano traz um momento de muita expansão, surpresas e reviravoltas. Perderemos, na área artística, grandes nomes… como um ator, um cantor… – concluiu ele. “Caramba!”, murmurou o homem em casa, observando também o fundo de sua caneca. A morte de um artista sempre causa comoção.

– Sim. A propósito, isso se confirma pela soma dos números que compõem o ano. É necessário muita precaução e cuidado com as decisões, principalmente dos governantes. Um desastre ambiental de grandes proporções poderá ocorrer…

– E no campo dos esportes? Este ano teremos Olimpíadas! – perguntou o apresentador, para emoção e aplausos da plateia.

– Teremos muitas medalhas com o judô, a natação e ginástica artística… – adiantou-se o astrólogo, num sorriso confiante. “Porém, um atleta se lesionará gravemente…”, interveio a vidente, os olhos arregalados e fixos na borra de café. “Sim, e um escândalo abalará o futebol”, afirmou o numerólogo em complemento, as sobrancelhas unidas num semblante grave.

– Este ano também teremos eleições… Como serão as eleições deste ano? – perguntou o apresentador, conferindo as informações na ficha e tornando a olhar os sensitivos.

– As eleições deste ano também serão muito polarizadas… – respondeu a vidente, sendo brutalmente interrompida pelo astrólogo.

– Ô, ô… não serão polarizadas coisa nenhuma. A situação vai ganhar de lavada. – reclamou ele, enrubescendo imediatamente. A plateia, antes animada, ainda que comedida, silenciou por completo.

– Como vai ganhar de lavada? O povo brasileiro acordou e não vai mais se deixar enganar... seu misógino, machista. Isso aí é gaslighting, sabia? – retrucou a mulher, num tom ofendido. “Ô, louco, meu! Programa ao vivo é assim mesmo!”, comentou bem humorado o apresentador. Os murmúrios no auditório começavam a ganhar coro com o debate político entre os participantes.

– Esses seus astros e essa sua borrinha de café não estão com nada. – interveio o numerólogo, com ar ligeiramente afetado. – As eleições serão sim, marcadas por uma profunda falta de respeito, entre os candidatos e, principalmente, com a população… – continuou, voltando-se para a câmera com o dedo em riste.

– Toma aqui a minha “borrinha de café”, seu cretino preconceituoso! O Brasil está farto de extremismos… – afirmou a mulher ao tacar a xícara no homem dos números. “Por favor, minha gente… estamos ao vivo…”, pediu quase em súplica o apresentador.

– Olha quem está falando! Mas que vigarista… – acusou o astrólogo, descendo a mão na vidente, mas desviou do golpe que acabou por acertar em cheio a peruca do numerólogo, torcida agora sobre sua calva.

– Embusteira! – gritou ele, tentando se recompor, entretanto, a confusão agora se tornara generalizada. As dançarinas e assistentes de palco batiam em retirada ao mesmo tempo que a maior parte da plateia dominava o tablado.

“Ô, produção! Produção! Vamos para um rápido intervalo… Intervalo, intervalo!”, gritava o apresentador, num tom desesperado, encarando a câmera. Ato contínuo, abaixou-se para desviar de um pedaço da alegoria do palco, lançada por um dos participantes contra outro e que por pouco não o acerta. “E você? Por que está chamando o intervalo? Você está com eles?”, questionou a mulher, caminhando decididamente em sua direção.

O homem em casa levantou-se e desligou a TV, suspirando com desdém. A verdade é que todos os anos são iguais. Mas alguns são mais iguais que outros.


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