Esqueci completamente
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"Eu não falo de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão." (Jorge Luis Borges)
Putzgrila, terráqueo. Era para eu ter escrito uma crônica sobre o 25 de julho, mas esqueci completamente. O que tem o 25 de julho? E você não sabe? É o Dia do Escritor, meu camarada. O senhor não vai me censurar por isso, não é? Muito obrigado.
Esqueci mesmo, benevolente leitor. Graças a Deus, não deixo passar o aniversário de namoro, noivado e casamento. Dona Maria está aí, de prova. Contudo, certas datas acabam passando despercebidas e, sendo esta o motivo do nosso textículo semanal, sinto-me imensamente constrangido, ainda mais por ser escritor.
Também, convenhamos. Por qual motivo, causa, razão ou circunstância, não há mais destaque para uma ocasião tão relevante? As coisas são lembradas por sua significância – e é justamente por isso que as Donas Marias encrencam quando os maridos esquecem as datas compartilhadas. Vê se alguém esquece o Carnaval, o Dia dos Namorados, Halloween e o escambau? Por que não tem uma dessas megapromoções de produtos para presentear os escritores, ou então uma liquidação de livros a preço de custo, módico e até simbólico? Isso podia até ter um nome. Black Friday. Não, não, Black Friday já inventaram. White Monday. Puta que pariu, ficou massa, cara.
Olha aí: podia inclusive ser feriado oficial. Um dia dedicado à leitura das obras prediletas, dos escritores favoritos (e fazer churrasco, é claro, porque ninguém é de ferro). Quem esqueceria o 25 de… de quando mesmo? Ah, sim, de julho. Vê bem, cara pálida: se eu, que sou da pena, esqueci, como posso esperar que o leitor se recorde? Não vai mesmo.
Acho que nem na escola se toca mais no assunto hoje em dia. Aliás, o Dia do Escritor deve ter sido criado por sugestão de algum parlamentar para encorpar o currículo, nada mais. Francamente! E a valorosa contribuição dos nossos célebres mestres da literatura à cultura nacional? Os ditos-cujos mereciam ao menos um título honorífico – tal como acontece lá no Reino Unido – por elevar o nome do país dentro e fora de nossas fronteiras tupiniquins. Já pensou? Sir Machado de Assis. Dame Rachel de Queiroz. Sir Jorge Amado. Dame Clarice Lispector. Isso sim, baita homenagem.
Tudo bem, tudo bem. Os mais antigos certamente se lembrarão de que alguns escritores já foram homenageados com suas imagens estampadas nas cédulas de cruzados e cruzeiros (velhos e novos). Mas quanto tempo faz isso? As novas gerações só poderão tomar conhecimento de algo assim por meio de uma crônica sobre o esquecimento. E, por falar nisso, Roberto Carlos já fez músicas para o amigo, o advogado, o barbeiro, o caminhoneiro, o engenheiro de produção, o médico, o padeiro, o taxista… mas nunca sequer mencionou o escritor. Que falta de consideração, meu senhor!
Títulos honoríficos, feriado nacional, hits musicais, megapromoção de livros… ora, rapaz, era para ter até desfile na Alberto Braune (com direito a carro alegórico e polêmica posterior sobre o uso dos recursos públicos para a festa). Duvido que alguém esquecesse o dia do… o que mesmo se celebra em 25 de julho? Pera aí, pera aí. Putzgrila, aconteceu outra vez. Esqueci completamente.
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