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Coisa de coroa

Por George dos Santos Pacheco
14/02/24 - 09:32

“O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho.” (Carlos Drummond de Andrade)

Envelhecer é cousa deveras curiosa. Quando se é jovem, tudo é confete e serpentina, qualquer prazer diverte, qualquer anedota provoca risos. Quando se é moço, qualquer fuzarca é supimpa, ainda que se corra o risco de levar um safanão dos pais ao regressar de madrugada, depois da carraspana. Entretanto, observe bem, festivo terráqueo: tudo envelhece, até mesmo as palavras. Há, evidentemente, alguns inconvenientes nisso, contudo, também há interessantíssimas vantagens.

A propósito, abramos parênteses. As palavras. Imaginem, se os vocábulos sencientes fossem? As sirigaitas observando as piriguetes desfilando com roupas curtas na fala ciumenta da esposa; os brotos de jaqueta de couro e brilhantina nos cabelos encarando com desprezo os crushes de corte dégradé dando grau nas motos, a mão coçando para dar-lhes uma chapoletada. As paqueras, nem se fala, olham de soslaio os contatinhos que, súbito, ficaram pistola, mas fingiram demência; a fofoca inveja a impulsividade e a sutileza do stalk. Podem até murmurar, chutar pedrinhas ou se reunir em grupos de apoio, mas não tem jeito: o neologismo cancelou as palavras mais experientes, quase num etarismo linguístico. Fechemos parênteses.

Digressões à parte, mas levando tudo isso em muito boa consideração, a verdade é que depois de uma certa idade, o sono, o paladar e a digestão não são os mesmos. O humor também não. Daí que, consequentemente, o som demasiadamente alto, o tumulto de gente indo para lá e para cá, a sujeira, a dificuldade de se locomover a pé ou de carro, as gírias novas, tudo isso incomoda feito azia. A ideia surgiu em meados de janeiro e facilmente ganhou adeptos. Em vez de ir à praça ver o bloco passar, faríamos um baile de Carnaval. Coisa mais intimista, reservada. Tá, tá, cara pálida. Coisa de coroa, eu sei, admito.

No sábado, nos reunimos desde o almoço num churrasco americano (que é tipicamente brasileiro, tome nota), com aperitivos sortidos, bebida para todos os gostos. A faixa de idade dos convivas variava entre quarenta e setenta anos, à exceção de alguns poucos, filhos e netos de uns e outros. Todos vestidos a caráter, perucas, maquiagens e purpurina, máscaras francesas – e aquele baita de um sorrisão.

Tome-lhe churrasquinho, cerveja e caipirinhas, ninguém levava esbarrão, ninguém era surpreendido por uma irreverente e subversiva mão boba. Sambas e pagodes antigos tocavam na discretíssima, porém surpreendente caixinha de som, além das tradicionais marchinhas de Carnaval. Isso sim é festa, meu senhor!

Em dado momento, a playlist do streaming de música verdinho começou a tocar versões mais modernas das marchinhas e de repente (pá!) surgiu sorrateiramente um funk no meio, bem rasgado, desbocado e terrivelmente pedante. Descontentamento geral, vaias e reproche unânimes? Coisíssima nenhuma! Houve um grito de comemoração e duas senhoras começaram a bater bundinha, descendo até o chão (senta, senta, senta, senta!). Um coroazinho (aquele senhor careca, lembra dele?) arrancou a camisa e ficou girando no ar. Aí, a balbúrdia estava generalizada, todo mundo cantando e dançando, selfies e mais selfies, um casal se beijava num entusiasmo juvenil e censurado para menores, num canto a parte (vai novinha, vai novinha!).

Mais pagode (não, pagode, não, tira isso daí), mais funk, cada vez mais obsceno, os convivas cada vez mais empolgados na folia. Juro, momesco leitor, que tentei acompanhar, mas o quadril e a lombar doíam, joelhos idem; o estômago estufava, a queimação ardia, o refluxo tornava. Peraí, peraí! Deu uma câimbra aqui na panturrilha.

Quem estamos querendo enganar? Sentei-me numa cadeira de plástico esperando o espasmo do músculo aliviar (preciso de mais potássio) e me dei conta, naquela hora, observando junto a Dona Maria aquela farra, que não importa o tempo, a época ou lugar, o Carnaval é o mesmo de sempre, assim como as palavras. Só usam uma roupa diferente. E as pessoas? Ora, independente da idade, são as mesmas pessoas de sempre. O que nos faz jovens está dentro de nossas cabeças. Sorri divertidamente e surpreso. Envelhecer é coisa muito bacana. Tudo é confete e serpentina.


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