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Ah, eu devia ter desconfiado!

Por George dos Santos Pacheco
01/10/25 - 09:20

"Vi de longe o meu amigo, ele me reconheceu. Nos aproximamos alegremente e cada um arrefeceu. Eu vi que não era ele. Ele viu que não era eu." (Millôr Fernandes)

Esses dias, precisei ir (contrariado) ao Rio de Janeiro. Uma palestra sobre um novo sistema que seria implantado na repartição. "Você vai num pé e volta no outro, Pachecão, coisa rápida", disseram. E o pior é que eu acreditei. Ir ao Rio nunca é rápido, crédulo terráqueo, nunca foi. Entretanto, minha vontade de chegar em casa era tão grande, tão grande, que foi motor da exagerada idealização de um cenário ideal e quase utópico. É assim que nós somos, meu senhor: especialistas em criar expectativas, em imaginar panoramas perfeitos, fantasiar finais felizes. Ah, eu devia ter desconfiado…

Quando desembarquei de volta à Gotham City, já era demasiado tarde e não havia tempo suficiente para chegar em casa e preparar o almoço. Suspirei, frustrado. O melhor era pegar o picado ali pelo centro mesmo. Pedi um prato executivo (eufemismo para "prato feito" ou "prato comercial", sei lá o porquê) num restaurante no Paissandu; sentei-me e almocei, pensando na interminável obra da praça, no apito irritante dos micro-ondas, na planilha a entregar no dia seguinte, na enfadonha palestra na capital, no boletim escolar dos garotos, enfim; todas essas nossas pequeninas e aborrecidas preocupações diárias.

— Opa! Você não é o… — perguntou um homem, aproximando-se, quando eu saía do restaurante, franzindo o cenho numa dúvida.

— Pois não? – respondi mantendo a marcha. Tem cousas que só acontecem quando a gente está com pressa. "Coisa rápida" uma ova! Até eu chegar em casa é pra lá de duas horas!

— Aquele escritor famoso… — continuou ele, estalando os dedos em busca da informação perdida.

— Obrigado pelo "famoso"! — comentei num sorriso desconcertado. Não é a primeira vez que isso acontece, mas é sempre gratificante encontrar um leitor por aí.

— O que faz em Friburgo? — perguntou, apressando o passo para me acompanhar.

— Err… eu sou daqui. — respondi, desconcertado, estranhando a pergunta.

— Ah, é? Não sabia. Poxa, admiro seu trabalho, amigo! Tem problema te chamar de amigo? — comentou num tom simpático, esticando a mão para um aperto.

— Absolutamente! — respondi, ruborizando, ao retribuir-lhe.

— Eu acompanho sempre seus textos… pelo site… — continuou, desviando de um grupo de pessoas que vinham em sentido contrário.

— Fico lisonjeado! — afirmei, sinceramente envaidecido.

— Eu até já trabalhei alguns deles com meus alunos.

— Sério? Muito obrigado!

— Não há o que agradecer! Para mim, a maneira como você trata assuntos sérios de uma forma descontraída e bem-humorada é que é literatura. As alegorias, as analogias e metáforas criam diversas camadas no texto e cada leitura vai encontrar um significado diferente. — declarou ele, como se olhasse para aquele ponto metafísico que os professores miram na parede do fundo da sala.

— Fico muito satisfeito que… — comecei a agradecer, mas fui bruscamente interrompido.

— Posso fazer uma selfie? Meus alunos não vão acreditar… — pediu ele, sacando com dificuldade o celular de um bolso da calça. Aproveitei para consultar o relógio novamente.

— Claro! — respondi, sorrindo confusamente para o aparelho esticado à nossa frente. Eu nunca sei para onde olhar exatamente nas selfies.

— Muito obrigado! — agradeceu o sujeito após o clique, conferindo a imagem na tela e guardando o aparelho logo em seguida.

— Por nada! — respondi, desviando de duas de senhoras que caminhavam despreocupadamente.

— Olha, você me desculpe o mau jeito, mas eu tenho que ir! – afirmou, num sorriso amarelo, após consultar o celular. — Satisfação imensa em falar contigo, Gregório! Tem problema te chamar de Gregório? — perguntou o homem, esticando a mão para outro aperto.

— Err… não, não. — respondi, cumprimentando-o, sentindo o sorriso desfazer-se. Como é que é? Gregório? E eu tenho lá alguma cousa a ver com o Gregório?

— Grande abraço! — disse ele e pulou para a rua, desviando dos carros com extrema habilidade. E eu ali, tetanizado e boquiaberto.

Putzgrila. Putzgrila, terráqueo! E eu que já estava me sentindo o Pedro Osmar… Ser reconhecido por aí é algo um tanto incomum, agora, ser reconhecido e confundido ao mesmo tempo é tão raro quanto dentes de galinha. Ah, eu devia ter desconfiado. O lance é que somos especialistas em criar expectativas, em imaginar panoramas perfeitos, fantasiar finais felizes. Mas… nem tudo está perdido, meu senhor! Um sujeito me encontrou na rua e me fez um monte de elogios. Tem problema eles não serem meus?


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