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Choro negro

Por Rachel Rabello
14/06/18 - 11:40

Eu ainda estou naquele bar no Catete, sentada com você enquanto esperamos o frango à passarinho. Estou subindo a ladeira da Glória com o violão na mão, aterrorizada porque não estudei a música daquela aula. Eu estou na porta do antigo cinema Paissandu, onde assistimos o último tango e onde você me disse que o Sol não pode viver perto da Lua. Eu estou lá, na sacada da escola de música, fumando um cigarro e observando os sobreviventes da Lapa. Eu estou no Circo Voador dançando a primavera que vai entrar pela janela. Estou no campo de Santana vestida de palhaça. Estou tropeçando na Voluntários da Pátria e esquecendo de me levantar. Estou na praça Tiradentes ouvindo Raul em pleno carnaval. Estou caminhando pela Presidente Vargas e o gás lacrimogênio me faz chorar. Estou em Copacabana tomando café no quiosque da praia. Estou na pedra do Leme olhando o mar. Estou na Rio Branco atravessando a rua e em Vila Isabel pulando poças. Eu ainda estou lá, em todos esses cantos, não estou aqui. Por onde passo nessa cidade me vejo e tudo é uma versão de algo que não existe mais. Um dia após o outro olho para fachadas de edifícios. Prédios amontados sobre prédios. Puxadinhos, esticadinhos, mulheres e bebês, comerciantes e lixeiros. E sei que é a última vez que os vejo, eu que nunca os vi. O olho do morto enxerga mais do que o do vivo, com o interesse de quem se despede. Rompantes de adeus. Passos apressados no corredor. Pra quê a pressa? Nada é urgente, senão a vida.

Nada é urgente, senão a vida, alguém me sopra. Do alto da montanha um eu que não existe acena enquanto sorri. Deitada no chão da Cinelândia, eu durmo o sono dos justos. Não quero dinheiro, eu só quero amar. Mas me atiram moedas como quem joga um papel de bala num amontoado de lixo. Do outro lado da rua alguém canta uma canção antiga que já não me recordo. Eu jogo moedas no chapéu e um choro negro escorre pelos meus olhos. Adeus, vou pra não voltar.


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