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Caso da pregadora: até que ponto a liberdade de expressão garante o direito à intolerância?

Após mulher ser acusada de crimes de racismo e homofobia por fala em igreja de Nova Friburgo, advogados explicam quais são os limites do discurso religioso, o que caracteriza crime e como denunciar ofensas

Por Bernardo Fonseca
04/08/21 - 17:00
Até que ponto a liberdade de expressão garante o direito à intolerância? Repercussão de vídeo de pregadora de Nova Friburgo levanta discussão sobre os limites da liberdade de expressão | Foto: Banco de Imagem

Todo mundo tem um parente ou amigo que tem orgulho de ser “politicamente incorreto”, gosta de discriminar grupos, faz piadas com minorias ou se vangloria por proferir falas preconceituosas. Mas os tempos mudaram e resultaram em legislações como a que criminalizou diversos tipos de intolerância, a exemplo do racismo, ou medidas judiciais, como a que tornou a homofobia um crime. O que antes passava ileso, hoje tem consequências que podem terminar na delegacia, em “cancelamento” nas redes sociais ou até mesmo ter impactos negativos na hora de conseguir um emprego. Contudo, há um ambiente que costuma escapar dessas responsabilizações: o dos púlpitos e altares das igrejas. Ou pelo menos costumava ser assim.

No início desta semana, repercutiu em todo o país o caso de uma mulher que discursou contra fiéis que postam “coisa de gente preta, de gay”, durante uma pregação no último sábado, em uma igreja de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio. A autora das falas pediu desculpas por meio de uma nota de retratação nas redes sociais. Mas a Polícia Civil abriu inquérito para investigar a situação e o delegado local, Henrique Pessoa, afirmou, em vídeo, que o caso será enquadrado no que prevê a lei 7.716/89 para crimes de racismo e homofobia, com pena prevista de três a cinco anos de prisão e multa.

Quem se sentir ofendido por discursos considerados racistas ou homofóbicos pode recorrer à Delegacia de Nova Friburgo (151 DP)Quem se sentir ofendido por discursos considerados racistas ou homofóbicos pode recorrer à Delegacia de Nova Friburgo (151 DP) | Foto: Reprodução/Portal Multiplix

A reportagem do Portal Multiplix conversou com dois advogados para entender o que há de errado em falas como a da mulher e se há limites para a liberdade de expressão, especialmente quando o discurso ocorre dentro de uma instituição religiosa.

Para ambos, é unânime a visão de que no caso específico houve cometimento de crime e que a própria Constituição Federal determina que a liberdade deve ser exercida com responsabilidade, o que pressupõe que o direito individual de falar o que se pensa não pode infringir garantias constitucionais.

“O seu direito vai até onde o do outro começa. É um ditado popular, mas reproduz a lógica do direito enquanto disciplina, enquanto doutrina”, diz a advogada Fátima Guerreiro. “A pessoa pode usar sua liberdade de expressão, mas não pode ofender o outro ou uma coletividade”, explica.

O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, durante a promulgação da Constituição de 1988O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, durante a promulgação da Constituição de 1988 | Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados

“Uma coisa é ela, enquanto pessoa, dentro da casa dela, pensar o que ela quer pensar. Outra coisa é externar em local público. E aí, efetivamente, ela comete afronta a vários princípios”, complementa Fátima, em referência a alguns dos objetivos da Constituição, como o de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação.

O advogado Ítalo Lima, integrante do Instituto de Defesa da População Negra, concorda e afirma que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, pois tem os limites da lei. “Você pode falar o que bem entender, mas se isso entrar em conflito, por exemplo, com o direito de imagem de outra pessoa, contra a honra de outra pessoa, que são direitos protegidos pela mesma Constituição, você encontra essa barreira”, reforça.

Liberdade de expressão e liberdade religiosa

A liberdade de expressão abrange diversas áreas, incluindo a religiosa. Os advogados ressaltam que para a Constituição, o Estado é laico, não há uma religião oficial a ser seguida, e uma pessoa pode ser o que quiser, bem como pode discursar do jeito que bem entender. Mas tanto Fátima quanto Ítalo defendem que uma coisa é ter liberdade para professar uma crença, outra é a liberdade de discurso discriminatório contra indivíduos ou grupos, especialmente quando essa fala atesta suposta relação de superioridade.

“Nesse episódio, o direito de liberdade de expressão tem um teto. Ou seja, ainda que ela estivesse pregando, há um limite. A liberdade deve ser exercida com observância dos demais direitos e garantias fundamentais. Você não pode ofender ou alcançar condutas discriminatórias”, explica Ítalo Lima.

“A pessoa que se sente vítima de racismo e/ou de homofobia não está perseguindo igreja. É ilógico dizer que a vítima está perseguindo o acusador. Tem gay que é de igreja, tem negro que é evangélico. Tem até igreja voltada para esses públicos. Na verdade, é uma reação contra discursos discriminatórios, que infringem a lei”, complementa o advogado.

O que fazer

Quando qualquer cidadão se sentir atingido por racismo ou por homofobia, é preciso se dirigir à delegacia mais próxima. “Por exemplo, nós temos aqui a 151ª DP, então terá que ir registrar o boletim de ocorrência e o processo judicial vai para o Fórum de Nova Friburgo”, orienta Fátima Guerreiro.

“A pessoa tem que narrar o fato, se possível levar testemunhas para poder colaborar com o próprio inquérito policial”, explica.

Já Ítalo Lima atenta para a importância de a vítima reunir provas. “Não basta você só chegar lá (na polícia) e falar que aconteceu. Você tem que ter o mínimo de prova, seja com vídeo, áudio ou testemunhas. E se isso não ocorrer, infelizmente não dá em nada”, avalia.

Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) fica na rua do Lavradio, 155, no Centro do Rio de JaneiroDelegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) fica na rua do Lavradio, 155, no Centro do Rio de Janeiro | Foto: Reprodução/Google

O estado do Rio de Janeiro possui a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), localizada na capital, que é especializada nesses tipos de ocorrências. Para Ítalo, é possível fazer a denúncia em qualquer delegacia, mas, se possível, recomenda que o caso seja registrado na Decradi. “É importante porque essa delegacia só trabalha com esses crimes de ódio. As demais delegacias não vão ter um aprofundamento na investigação. A investigação será feita, mas não vai ter a mesma qualidade. Se tivesse qualidade, não existiria uma delegacia específica para o assunto”, finaliza.


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