Verdades absolutasㅤ
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"Nem todas as verdades são para todos os ouvidos." (Umberto Eco)
Não sei exatamente como isso aconteceu, e acredito que ninguém saiba. Filósofos, pesquisadores, acadêmicos, políticos, apresentadores de TV, influenciadores, esteticistas e todos os outros "istas", ninguém tem uma explicação. Nos diversos círculos sociais, nos meios acadêmicos e em instituições respeitáveis, surgem explicações metafísicas e até científicas, mas nenhuma delas consegue saciar completamente a sede por respostas. O tempo, não aquele medido pelo relógio ou pelo movimento do sol, mas o tempo que sentimos, palpamos, e realmente vivemos, está passando rápido demais para os quase nove bilhões de pessoas que habitam o planeta.
Nem seria necessário um parágrafo para expressar isso; todo mundo já havia percebido. Às vezes, a sensação é de que passo os dias, deitado, me levantando e me deitando, com o intervalo entre as ações parecendo ser apenas um piscar de olhos, um susto, quando na realidade foram cerca de dezesseis horas. Não é curioso?
Talvez seja a avalanche de compromissos que domina a vida moderna. Ou talvez seja toda essa tecnologia que nos submete, quem sabe. O fato é que quase não sobra tempo para algo que não faça parte da rotina. Seguimos um protocolo de atividades do amanhecer ao anoitecer, meticulosamente cumprido, e qualquer alteração nisso pode comprometer a execução dos outros afazeres. A memória falha e algo acaba ficando para trás. Não é assim, meu senhor?
O caso é que devemos parar de vez em quando para respirar e refletir sobre o que realmente está acontecendo. Dias atrás, após um longo hiato, aproveitei alguns minutos livres para dar um pulo no Balboa, aquele barzinho descontraído na Augusto Cardoso. Mas, ao chegar, parecia que havia perdido algo, pois tanto tempo se passou que até os frequentadores eram outros. O Meio Quilo, por exemplo, habitué do bar na época do antigo proprietário, ganhara no Bicho e aparecia de vez em quando, conforme contou o Sabirico. Logo na entrada, esbarrei com um senhor que nunca tinha visto por ali. Fez um aceno de cabeça, seguido de um "opa!". Ele mirava um ponto distante do outro lado da rua, segurando um copo americano com um pouco de cachaça.
— Ora, quem é vivo sempre aparece! — disse o Doutor, por trás do balcão.
— Estamos vivendo um dos períodos mais sombrios da história da hu-ma-ni-da-de… — declamava o desconhecido na porta do bar, com a voz voltada para a rua, dando ênfase proposital a algumas palavras.
— Levou uma sumida grande, hein, Pachecão! — brincou Sabirico, limpando os lábios engordurados por um tira-gosto.
— Ô, rapá! Te esconjuro! — respondi à brincadeira, sorrindo e fazendo o sinal da cruz três vezes. Pedi uma Coca Cola KS ao Doutor, enquanto a risada de Sabirico ecoava no bar.
— A manipulação das massas, disfarçada sob o manto da liberdade informativa, tornou-se uma realidade i-ne-vi-tá-vel! — continuou o desconhecido, retornando ao interior para deixar o copo de cachaça sobre o balcão e, em seguida, voltar ao umbral.
— Quem é esse aí? — sussurrei para o jovem taberneiro enquanto ele me servia o refrigerante.
— Aparece por aqui faz um tempo. Vem sempre no começo do mês, pede uma cachaça, e depois da terceira dose começa a discursar na porta. O nome dele é Delmiro, Belmiro… um negócio assim, mas o pessoal apelidou ele de Brizola.
— E os livros, Pachecão? — perguntou Sabirico, sem me olhar, antes de tomar mais um gole de cerveja.
— Indo, meu amigo! Indo! — respondi evasivamente, bebendo um pouco da Coca-Cola. Apontei uma coxinha de frango na estufa e o Doutor pegou uns guardanapos para servir.
— Você devia era ir pro Big Brother! Ia vender livro pra cacete. Nem precisava ganhar não, era só falar um monte de besteira lá, criar umas polêmicas, brigar com meia dúzia e estava feito. Um milhão de seguidores em vinte e quatro horas e um monte de livro vendido. — refletiu Sabirico, mordendo uma calabresa acebolada, os anéis caindo no prato ao mover o quitute até a boca.
— As mídias e as redes sociais são ferramentas usadas para controlar pensamentos e moldar opiniões, distorcendo valores e impondo padrões ideológicos como se fossem verdades absolutas. Ab-so-lu-tas!
— Livros? — ouvi um tal de Angu Duro perguntar, quase num sussurro, ao que Sabirico respondeu: "Não fala muito alto, não, senão ele te coloca numa crônica. Ele é escritor, tá cheio de livros publicados.". "Coitado!", disse o outro, com a voz cheia de pesar. Sorri, meio sem graça.
— Big Brother, Pacheco. O Sabirico está certo, mais uma vez. — disse o Doutor, oferecendo o salgado frito.
— Nesse grande palco em que vivemos, onde a maioria acredita pi-a-men-te controlar suas próprias decisões, a liberdade de expressão se torna refém da desinformação e da manipulação… — esbraveja Brizola lançando embriagados perdigotos pelos ares.
— Não tinha pensado nisso… — respondi e mordi a coxinha. "Deixa a Dona Maria ouvir uma conversa dessas…", ponderei e, imediatamente, me perguntei se não estava perdendo algum outro compromisso. Olhei para o relógio de pulso e conferi as horas. Ainda tinha alguns minutos.
— A internet, que antes se configurava como uma ferramenta de conhecimento, transformou-se em um vasto mercado de distrações, onde o tempo é desperdiçado e vendido sob a ilusão de uma felicidade inatingível… O tempo… O tempo devora seus filhos!
Naquele momento, minha mente estava uma verdadeira bagunça: era como um navegador de internet com um monte de abas abertas, um amálgama de informações aglutinadas. Big Brother, tempo, crônicas, livros, refrigerante e coxinha, passar no hortifruti e pegar os filhos na escola.
— O resultado? Uma geração a-li-e-na-da, a-pri-si-o-na-da em sua própria busca por um sentido que, a cada dia, se mostra mais distante. Acordem! O Brasil espera que cada um cumpra seu dever!
Putzgrila, é verdade. Não sei exatamente como isso aconteceu, terráqueo. Filósofos, pesquisadores, acadêmicos, políticos, apresentadores de TV, influenciadores, esteticistas e todos os outros "istas" têm, ao menos, uma justificativa. Para algumas coisas, contudo, parece que somente Brizola tem explicação.
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