Considerações importantes
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"No puedes hablar de eso, no, mi cariño" (Dona Maria)
Confesso sem embargo que não escrevo tudo quanto gostaria de dizer. Aliás, sem embargo, não. Vamos assumir que tal condição me cause um leve pesar. Vê bem. Se o sabonete está no final, se porventura a toalha de banho foi deixada nalgum canto remoto e desconhecido, pá: crônica. Se fico preso num congestionamento no viaduto, se passo com a roda do carro num buraco, se algo incrível e extraordinário (ou não) acontece no diário do burgo friburguense, pá: crônica. Se o computador desliga em meio a uma tarefa importante, se algum motociclista deixa a moto na vaga para veículos, se o cafezinho oferecido como cortesia no mercado me causa azia, pá: crônica. Tudo vira crônica.
Acontece, compreensivo leitor, que "o homem é dono do que cala e escravo do que fala", disse Freud (parece original, mas nada mais é que uma releitura de "no muito falar não falta transgressão, mas o que modera os lábios é prudente", versículo de Provérbios). Por isso, antes de qualquer texto ser publicado em nosso digníssimo portal de notícias, ele passa obrigatoriamente pelo "Departamento Dona Maria de Leitura Preliminar". "No puedes hablar de eso, no, mi cariño", diz ela, que tem muito mais poder sobre mim do que aquele psicanalista austríaco. Inclusive, a epígrafe da crônica devia ser dela, e não dele (muda aí, caro editor!).
Vez ou outra, é preciso alterar o escrito em algum ponto, por recomendação acertadíssima de Dona Maria, quando não desistir da publicação dele, por completo. Ora, por quê? Porque ainda que não tenha sido a intenção do cronista, algumas colocações podem soar preconceituosas, intransigentes, ou simplesmente, prolixas, inconvenientes e chatas. E tudo isso é mais do que suficiente para exigir uma revisão mais cautelosa.
Pode parecer balela, mas são considerações importantes a se fazer. Imagine você, caro leitor, eu que tenho umas três ou quatro teorias da conspiração para tudo quanto é assunto (desde a falta de vagas para estacionar, até o aquecimento global), eventualmente tenho que acatar, ainda que levemente (levemente uma ova) contrariado, calar o texto. O cronista deveria falar sobre tudo! Mas pode? No, no puede.
Deixando isso bem claro e resolvido, faz-se oportuno mencionar que o bolodório número trinta e cinco do ano da graça de nosso Senhor Jesus Cristo de 2025, não era para ser sobre os aborrecimentos cotidianos e a forma de lidar com eles, era para ser um protesto disfarçado de crônica policial (existe esse gênero?), sobre fato público e notório, cuja causa e motivação permanecem o mais profundo enigma. "No puedes hablar de eso, no, mi cariño", disse Dona Maria. “Não, não posso”, concordei entredentes. Minhas teorias eram até um tanto fabulosas, admito, mas eu corria o risco de acertar em algum grau, mesmo sem querer. E talvez acabasse feito o Mel Gibson em 1997 (Deus me livre e guarde!).
Fazer o quê. Dona Maria estava certa. Não estava? Estava sim. Ninguém é suficientemente livre para dizer tudo o que pensa. Ah, eu queria falar sobre tudo, sobre qualquer cousa, poxa vida. Sobre os trailers de fast food, aquela obra gigantesca no centro da cidade, a Bolsa de valores e o escambau. Sobretudo… Pero puedo? No, no puedo.
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