Ponto e contraponto
Enquanto a água subia ela pensou em salvar uma fotografia, um livro, um aparelho de som. Sempre fora eficiente em situações como aquela, de crise, em que era preciso agir rapidamente. Mas a medida que a água subia e subia, ela se deu conta de que era inútil tentar conter o inevitável – e desistiu.
Pouco a pouco a água foi levando e lavando o sofá, as mesas de centro, o tapete, as almofadas, as caixinhas de porcelana, os livros de arte, as miniaturas, cada pequeno objeto seu boiando em água lamacenta.
E ela ali. Parada.
O corpo já quase submerso.
*
Acordou sobressaltada e pensou se teria adormecido com o cigarro ainda aceso nos dedos. Os remédios que lhe receitaram eram muito fortes e o sono era pesado como a morte.
Por um segundo desejou não ter despertado e morrer.
Tivesse se resignado e seria chama. Mas pensou que ainda tinha muito a viver ou que não queria deixar a impressão de que havia desistido.
Correu à janela a gritar por socorro.
O fogo já quase a alcançava.
Subiu no parapeito.
Acordou com um tubo na garganta e o corpo enfaixado. Não podia se mover. Respirar doía. Tudo doía.
Por um segundo desejou não ter despertado e morrer.
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