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Essa cidade está muito estranha

Por George dos Santos Pacheco
29/11/23 - 09:33

“Vamos nos acostumar a viver na estranheza, na esquisitice, protegendo-nos como podemos de atos, fatos e ideias bizarros.” (Lya Luft)

Empadão de frango, lasanha à bolonhesa, lombo grelhado, (salada? Quem é que come salada no self service?), feijão e farofa (esses dois sim, não podem faltar). Você acha isso estranho? Quando almoço na rua eu pego sempre um pouco de cada, o prato fica aquela miscelânea. “Você não tem vergonha disso, não?”, censura Dona Maria, estalando os lábios. Ter eu tenho, pero no mucho.

As mesas da entrada são inconvenientes, ficam perto da calçada, são alcançadas pelo vento, e também pelo barulho do trânsito. As do meio do salão são próximas à balança, e as pessoas que entram, concorrem com as que estão na fila para pesar os pratos, sendo comum que esbarrem na mesa – e eu detesto que topem na mesa enquanto estou comendo. Dica de ouro: os melhores lugares são ao fundo, discretos, silenciosos e reservados. Vai por mim.

Sentei-me e desembrulhei os talheres. O cheiro estava magnífico. O garçom se aproximou e perguntou pela bebida; optei por uma Coca-Cola com gelo – não adianta bancar de fitness comendo um monte de carboidratos e gorduras. O rapaz anotou o refrigerante na comanda e se distanciou. Pensei por segundos qual item garfar primeiro. Lasanha, obviamente, o queijo da cobertura ainda derretia e seria mais inteligente começar por ela, antes que esfriasse. Ajeitei a porção no garfo, levei à boca e, súbito, um sujeito sentou-se à mesa, sem cumprimento, sem prato e sem nada.

– O Jagunço mandou avisar que seu prazo está terminando. – disse ele, a voz com um acento de convicção. Assustado, ergui subitamente o olhar, movendo a comida para o canto da boca. – Ele acha bom você pagar. – concluiu e se levantou em seguida.

– Desculpe, amigo, mas não sou quem você procura... – respondi, estupefato com sua assertividade, as mãos tornando-se trêmulas, o coração batendo descompassado.

– Seu prazo está terminando, o Jagunço falou... – insistiu ele, caminhando em direção à saída. Putzgrila. Permaneci tetanizado, observando o homem sumir entre os clientes que entravam e saíam. “Mas que porra foi essa?”, pensei, voltando a mim e retornando ao almoço.

Dentro do pacote de esquisitices que me ocorrem diariamente, essa, realmente, me surpreendeu. Jagunço? Ora, cacetas. O garçom chegou com a Coca-Cola, ligeiramente rápido para um dia de semana. Um pouco de empadão agora. A ideia era consumir primeiro este e a lasanha, para concluir com os demais. Não teria sido alguém que me viu entrar no restaurante e resolveu pregar-me uma peça? Jeffinho? De repente o Geilson, ou então, algum sacana do trabalho. Barradas? Não, acho que ele não perderia tempo com isso. João Camilo! Sim, o João é bem capaz de uma coisa dessas.

Uma porção do lombinho, seguida de feijão e farofa. Que coisa estranha. Eu não conheço nenhum Jagunço e, que me lembre, não devo nada a ninguém. Ou foi uma grande confusão, ou alguém me sacaneando. Sim, sim. Concluí a refeição e segui para o caixa. Paguei e me servi de um copinho de café (não pode faltar), bicando enquanto caminhava e pensava em quão singular havia sido tudo aquilo. Contudo, não se tratava da maior bizarrice que me ocorria – e eu devia suspeitar desde o princípio, está tudo muito esquisito desde cedo. Imagine, meu senhor, que hoje foi o quarto dia, em sequência, em que encontro uma vaga de primeira, bem no centro da cidade. Isso não é normal. E olhe que não era qualquer vaguinha não, era uma senhora vaga, uma baita de uma vaga em que dava para estacionar fazendo um cavalo de pau. Fiquei me sentindo uma espécie de habitante VIP de Nova Friburgo, membro de algum clube privê ou coisa que o valha. Isso sim, era uma coisa muito estranha.

Como era o tal cara, mesmo? Não me recordava do seu semblante. Acho que usava boné, casaco de moletom, barba por fazer. Porra, não sei. Segui caminhando pela calçada, limpa, sem nenhum saco de lixo negligentemente descartado próximo aos postes. O eixo do micromotor do celular oscilava dentro do bolso. Suspirei. Vez em quando, inclinava o tronco e olhava para trás, a fim de me certificar se não era seguido (caso tenha sido mesmo confundido com um caloteiro qualquer, todo cuidado é pouco). Reduzi a velocidade, atirei o copo vazio na lixeirinha verde musgo e continuei. O fluxo de carros era normal e fluido, e poucas pessoas transitavam no passeio, sem ambulantes, pedintes, ou entregadores de panfletos. “Mas que porra é essa?”, pensei, franzindo o sobrolho, intrigado. Quer saber? O tal Jagunço nem me incomodava mais, terráqueo. Sentia-me, naquele momento, como o simpático Truman flanando numa perfeita Seahaven. Vagas para estacionar, calçadas limpas, mobilidade urbana... ou tudo aquilo era um cenário cinematográfico ou uma falha na matrix. Alcancei uma primeira faixa de pedestres, numa rua em que nenhum veículo ameaçava minha travessia, tampouco algum circunstante concorria comigo, à cotoveladas, forçando a passagem. Não havia buzinas, sirenes de ambulância, engarrafamentos, nem ônibus lotados. Até o céu estava limpo, a temperatura amena e agradável. Essa cidade está muito estranha...


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