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Do perigo em se criar heróis

Quando uma pessoa vira a lei

Por Conrado Werneck Pimentel
04/07/19 - 12:32

Os super-heróis ficaram amplamente conhecidos por histórias em quadrinhos nas primeiras décadas do século passado. Mais recentemente, marcadamente na última década, por longa metragens nos cinemas. Mesmo que suas histórias remetam há milênios – aos heróis da Grécia antiga, em odisseias e epopeias -, ainda portam um poder simbólico que marcou gerações. Os heróis clássicos eram tidos como filhos e filhas de deuses, tomados, por vezes, como semideuses, aos olhos dos reles mortais; já os heróis modernos são mais próximos do homem comum, contendo qualidades e defeitos - inclusive questionando a própria moral e, por vezes, sendo imoral para atingir determinados fins.

O perigo de se ter um super-herói está precisamente em tê-lo no meio político. Para além de não se colocar em dúvida a possibilidade de o herói do momento poder falhar e gerar ressentimento e frustração, está justamente o perigo de que ele, com poderes maiores que a letra da lei, cometa injustiças e atos notoriamente criminosos que vão, via de regra, contra a moralidade vigente. Se a moralidade vigente é ambígua e passível de ser relativizada a ponto de suprimir direitos fundamentais, o perigo mora não só no super-herói, mas também na sociedade e nas instituições que assim o permitem – e o incentivam – a agir.

A falsa ideia do desinteresse do super-herói faz parte da manutenção do personagem. A encarnação da ordem e da justiça é mero jogo de espelhos para encobrir suas reais intenções que podem estar ligadas a algum tipo de missionarismo ou a uma providência divina. A omissão do Estado em diferentes esferas ou sua presença questionável ao longo dos séculos no Brasil não podem ser o motivo para que uma pessoa – ou um grupo de pessoas – tome para si a tarefa de solucionar os problemas existentes – a corrupção, aqui, em especial. Em primeiro lugar porque a corrupção ou qualquer outro problema sistêmico do país não se resolverá à base da canetada nem no encarceramento massivo: problemas complexos requerem soluções complexas, que só podem se dar a longo prazo; em segundo lugar porque não cabe – ou, melhor dizendo, não deveria nem poderia caber – a um seleto grupo de pessoas usar os fins para justificar os meios, por mais urgente que seja o tema em questão: não existem indivíduos eminentes e perfeitos o suficiente que justifiquem tais atos. A história da humanidade está repleta de exemplos e o Brasil, não menos. Em terceiro lugar, se há a criação e a necessidade da existência do herói, é porque criaram a figura de inimigos – em último caso, um arqui-inimigo, aquele que subverte a ordem, a lei, a tradição, os bons costumes. Em último grau, a existência dos dois se complementam – por que um existiria, se o outro não existe? E aqui se coloca mais um grave perigo: a super-humanização e a desumanização excessivas. Quem, no mundo real, está acima ou abaixo do ser humano?

É verdade que o inesperado aparecimento do super-herói se dê de forma anônima: um indivíduo que, por mérito, atinge determinadas capacidades físicas e mentais e age no meio público. Mas é bem verdade também que seu aparecimento está atrelado ao imaginário de um Estado passivo, corrupto e desonesto. Assim se coloca o herói acima do Estado – das leis e das regras do jogo – para suprimir esse buraco. E é assim que esse sujeito, movido por um messianismo qualquer, que coloca sua moral à prova, ganha do povo o poder para fazer o que entende como bom e justo para todos. E é assim que um sujeito com poder excepcional perde-se, justamente, no poder que tem e que foi relegado a si. E é assim que se cometem atentados contra o Estado Democrático de Direito, aos direitos fundamentais do homem e, em sua máxima, crimes contra a humanidade.

Nenhum homem pode nem deve ser endeusado ou entronado como um redentor ou um detentor de todas as virtudes – terrenas ou celestes. Cada um está incumbido de deveres e limites morais e éticos. Ninguém está acima da lei, caso contrário, estaremos todos sujeitos ao arbítrio e aos caprichos da falibilidade do ser humano.


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