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Meu querido, meu velho, meu amigo

Por George dos Santos Pacheco
06/08/25 - 09:59

"Esses seus cabelos brancos, bonitos, esse olhar cansado, profundo me dizendo coisas num grito, me ensinando tanto do mundo" (Roberto Carlos)

Lembro de quando eu era criança, de caminhar com meu pai pelas ruas do bairro. Geralmente, era um sábado de manhã. Recordo o céu radiante, de encontrar os colegas dele no trajeto, do tom brincalhão e cordial de suas falas, do Tim Maia cantando com a Gal Costa em algum rádio naquelas bandas. Lembro de escolher balas de hortelã no baleiro da venda do Seu Lourival, lembro do som do baleiro girando, do papel de pão sobre o balcão, do cartaz da Coca-Cola na parede.

O presidente era o Sarney (também me recordo disso), e política era assunto de gente grande, muito difícil de entender. Ainda não compreendo, mas sinto saudades do período em que eu podia me dar ao luxo disso. Mais saudades ainda tenho da segurança que eu experimentava de mãos dadas com meu pai; eu andava com a cabeça erguida, pois eu era tão pequeno e ele, daquele tamanhão todo...do que eu podia ter medo? De nada, meu senhor. Estar com ele me enchia de orgulho, pois me sentia querido e satisfeito por ser digno de sua companhia — ora, ele, tão ocupado com o trabalho, e podia reservar um pouco do tempo para mim. Isso era valioso demais.

Naquela época, minha vida era um eterno domingo de sol, com direito a Programa Silvio Santos, Trapalhões e MacGyver. Tudo se resumia a ir para a escola, retornar para casa, brincar, fazer o dever sob a batuta de mamãe e passear na rua com meu pai nos sábados de manhã. Se algo saísse errado, bastava chamar por ele, que ele resolvia. Sandália Havaiana na mão? Não precisava. Se por acaso eu desobedecesse minha mãe, suficiente era a ameaça de tornar a travessura pública ao meu pai, que num instante eu me emendava.

Ah, saudoso leitor, esse tempo já passou, e eu sigo sem entender política, assim como a maioria de nós. A mercearia do Seu Lourival não existe mais, nem os baleiros, muito menos o papel de pão. A estas alturas do campeonato, eu também já caminhei de mãos dadas com meus filhos, esforçando-me para que eles igualmente sentissem orgulho em estar comigo. E já chegou o instante de sentir saudades disso também, pois já são homens feitos, e minhas piadas já são repetidas. O tempo voa, meu senhor, e as lágrimas são indomáveis.

Deixemos, então, o acessório e vamos logo ao essencial. Eis o que eu queria dizer: — tenho uma satisfação imensa em poder contar com o bom humor de meu pai, com o seu exemplo, com as piadas repetidas, com o abraço meio encabulado. Meu querido, meu velho, meu amigo. Ao seu lado, ainda me sinto pequeno e querido, orgulhoso por ser digno de sua companhia. Ao lado dos meus filhos, já me sinto pequeno e querido, e também satisfeito por ser digno de suas companhias. Não é fantástico e paradoxal? Estou me transformando em meu pai. E muito me orgulho disso.


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