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É raro, mas acontece muito!

Por George dos Santos Pacheco
23/07/25 - 09:15

"As verdades podem ser nuas – mas as mentiras precisam de estar vestidas." (Textos Judaicos)

Encontrou o colega em pleno Alberto Braune, às dez da manhã. Foi pura casualidade, jamais imaginaria vê-lo novamente. Fazia quanto tempo? Vinte, vinte e cinco anos que não se viam? Achava que a última vez fora logo após o Ensino Médio, embora não tivesse certeza.

A calçada estava abarrotada de gente, era início de mês e muitas pessoas se dirigiam aos bancos para receber seus salários. Esbarrou no ombro de alguém e se virou para encarar o descuidado.

— Ei! Vê se olha por onde… – disse num tom grave, franzindo as sobrancelhas, aborrecida.

— Você? – disse o sujeito, surpreso.

— Você? – repetiu ela, ainda mais surpresa. Ele parecia ter parado no tempo – e isso não era, de nenhuma maneira, um elogio. Mantinha o olhar sedutor, o sorriso charmoso e a voz cadenciada, mas agora tinha algumas rugas e uns tantos cabelos brancos. Era magro, mas cultivava uma discreta barriga de chope; vestia-se feito um adolescente. Parecia um garoto velho.

— Nossa, que coincidência! – comentou ele, tentando puxar conversa.

— Quanto tempo, não é mesmo? – afirmou a mulher, buscando ser simpática, mas sem dar muito papo.

Foi então que aconteceu.

O velho amigo de escola ostentava uma meleca seca em uma das narinas, que se movia como uma portinhola com a entrada e saída de ar. "Eca! Que nojo!".

— Você está ótima! E aí? Casou? – elogiou o homem, com ar galante. Mas a meleca depunha contra ele. Toda sua reputação de ex-galã juvenil fora por água abaixo por causa de uma simples catota no nariz.

— Casei, sim. Tenho um casal de filhos. E você? – respondeu ela. Era mentira, mas foi a melhor coisa que veio à sua mente para afastar as segundas e tantas outras intenções que ele pudesse ter.

— Ah, eu já casei, já me separei, já me amiguei. Agora tô na pista! – respondeu ele, com a meleca indo e vindo na narina direita, esboçando o famoso sorriso do Ensino Médio. "Duvido!", pensou ela. "Deve ser casado (apesar de não usar aliança) e até ter filhos, mas repete essa conversa fiada para toda amiga do colegial que ele encontra por aí.".

— Ah, sim. – comentou ela, tentando desviar o olhar da meleca animada, mas os olhos invariavelmente iam pousar no nariz mal apresentado do sujeito. "O que faço? Aviso ele?", pensou ela, incomodada.

— Não quer me passar seu número? Estou pensando em fazer um encontro da turma... – pediu ele, puxando o celular do bolso. "Putz! Só faltava essa...". Decidiu pelo espelhamento: começou a coçar o próprio nariz para ver se o homem imitava o gesto e fazia algo com aquela meleca nojenta. Nada!

— Seria bacana, não é mesmo? Você tem visto o pessoal? Nunca mais vi ninguém... – disse ela, em evasiva, consultando o relógio para disfarçar. "Meu Deus, o que eu vou fazer? Aviso ou não aviso? Vou falar.".

— É raro, mas acontece muito! Na verdade, você é a primeira pessoa que eu vejo em anos. – respondeu ele num sorriso satisfeito. Aproveitou a passagem de um transeunte na calçada e diminuiu a distância entre eles dois, fazendo a meleca parecer ainda maior.

— Caramba, está na minha hora. Desculpe a pressa, mas tenho que ir! Foi um prazer te ver! – disse ela, numa pressa caricata. Esticou a mão para um aperto, mas desistiu a meio caminho e apenas acenou, dando meia-volta e seguindo pela calçada cheia de gente.

— Imagina, o prazer foi todo meu! A gente se esbarra por aí num dia desses! – disse ele, às costas da mulher, a voz se distanciando a cada passo que ela dava.

"Deus me livre e guarde!", pensou ela. "Deus me ouça e os anjos digam amém!", pensou ele. Ela caminhava apressada, evitando trombar com mais alguém – vai que dessa vez seja um ex-namorado com mau hálito? Credo!

Agora estava convencida de que o silêncio é o melhor conselheiro. Sim, sim. Não existe forma agradável de se alertar alguém sobre uma meleca no nariz, o mau hálito, convicções supersticiosas ou ideologias políticas equivocadas... definitivamente, não há. É o tipo de coisas que a pessoa deve descobrir por si mesma.

Caminhava apressadamente, tentando se distanciar ao máximo do colega e afastar de uma vez por todas a imagem da meleca de sua mente. Desconfiada, postou a mão espalmada em frente ao rosto e soprou, aspirando o ar profundamente, enquanto caminhava. Nunca se sabe.


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