Luto

Escrevo depois do resultado das eleições. Dez minutos depois de Bolsonaro ser eleito um amigo meu já levou garrafa de vidro no rosto por estar com adesivos do PT. Meia hora depois, o que terá acontecido e eu nem soube? Um ano depois, dois anos depois...haverá democracia? Ou estou certa por estar de luto hoje? Luto pela democracia, luto por meus amigos homossexuais, transexuais, negros, índios e mulheres. Luto pela educação, pela arte, pela literatura, pelos artistas, escritores, pelos professores, pelos alunos, pelo Brasil.

Hoje vi um negro nordestino dizer que votou em Bolsonaro, aquele que mais ódio destilou contra negros e nordestinos. Hoje vi Teresina soltar fogos pela eleição desse candidato. O nordeste votando em quem só lhe agrediu. Eu vi uma cristã achar graça de Bolsonaro ensinar crianças a fazer o gesto de armas. Eu vi um democrata relativizar quando ele diz que vai varrer a oposição. Eu vi... Eu vi... Direi com Clarice, me dê a mão porque não sei como lidar com o que vi. Inventarei uma mão leitora agora e escreverei somente com esse apoio. Não sei até quando poderei escrever o que penso aqui, até quando a imprensa terá liberdade? Bolsonaro já disse que irá perseguir qualquer tipo de oposição. Enquanto isso escrevo. Minha caneta e meus livros serão minhas armas na luta contra o ódio e a opressão.

Vou transformar esse substantivo-sofrimento em verbo-ação, é o que me resta. Luto e lutarei pela democracia, pelos meus amigos homossexuais, transexuais, negros, índios e mulheres; luto e lutarei pela educação, pela arte, pela literatura, pelos artistas, escritores, pelos professores, pelos alunos, pelo Brasil. “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”, já disse a linda Conceição Evaristo. E eu digo com Chico:

Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.