Explicação: um poema de Cecília Meireles

Cecília Meireles, embora seja uma das poetas brasileiras mais reconhecidas, é, ainda, na minha não tão humilde opinião, subestimada. Catalogada (ao menos fora da academia) como expressão de um simbolismo tardio, tem sua obra reduzida aos valores dessa escola literária, o que não alcança nem de longe a pluralidade e altura de seu pensamento. Sua poesia trabalha com a matéria do pensamento, é filosófica, como a de Pessoa e a de Drummond ou como a prosa de Lispector. O poema que trago aqui expressa bem essa face da autora:

“Eu quero sempre mais do que vem nos milagres”, diz a autora. Sua vontade vai além do que mesmo um milagre poderia conceber. No entanto, a terra é suficiente para sustenta-la, há leveza e simplicidade no desejo de sua alma.

A indiferença divina não a apavora, ela espera a sua própria vinda, não a vinda de um redentor, é a espera de sua própria divindade.

A memória é como estar em alto mar ou no meio de um rio muito largo, não se vê margens em qualquer parte. Esse é o topos desse eu-lírico solitário, ao seu redor somente água.

Desse oceano imenso e indefinido, ouve-se uma voz contando sua história. O que é a nossa história pessoal senão a narrativa de memórias? Memórias sem margens, sem limites, sem definição ou delimitação: memória imprecisa. Contar a história é matar os personagens? Talvez seja. Considera-los um em relação ao outro, como numa narrativa, talvez seja matar a ilusão de uma individualidade, de motivações próprias, de uma autonomia e de sua própria existência. O eu-lírico numa batalha imóvel entre o desejo individual e a neutralidade do cosmos. Eis a explicação que nada explica ou nada soluciona.

Nesta Páscoa, espero a minha própria vinda.