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Um bom conselho

Por George dos Santos Pacheco
06/09/23 - 09:21

"Se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve.” (Lewis Carroll)

Atravessei a Augusto Cardoso em direção ao estacionamento. De lá, eu buscaria o mais velho na escola, o mais novo, no dentista, e por fim, seguiria para Estação Livre para encontrar Dona Maria. O segredo dos dias de folga é compatibilizar o tempo com os compromissos para dar conta do maior número possível dos últimos. Nem sempre é possível, vale frisar, mas não custa a tentativa.

“Estacionamento?”, perguntou o entregador. “Tranquilo, eu dou conta!”, respondi cheio de razão. E lá vai Pacheco, apressado pela calçada, com um monte de sacolas verdes de mercado nas mãos. Sabiam que os polivalentes sacos plásticos se tornaram populares a partir dos anos 1970 e que anualmente circulam no mundo todo entre 500 e 1000 bilhões deles?

Assustador, não é? Assim como a quantidade de gente no Balboa quando eu passei lá em frente, por volta das cinco da tarde. Havia alguns que bebiam na calçada, de tão cheio. “Chega aí, Pachecão!”, gritou Sabirico, erguendo um copo americano bebido pela metade, numa quente tarde de sexta-feira. “Hoje não!”, respondi bem humorado e sem deixar de caminhar rumo ao meu destino, as sacolas aumentando o peso a cada passo.

Sebo nas canelas, mas olha... naquele calor, até que a geladíssima cerveja do Balboa cairia muito bem. Enfim, preciso seguir em frente. Eu ainda refletia sobre o convite quando fui surpreendido por alguém que chamava lá na rua, o carro parado, a janela completamente baixa.

– Ei! Ei amigo! – disse o homem atrás do volante, com um sorriso simpático.

– Pois não? – perguntei, estacando à beira da calçada, o olhar intrigado.

– Poderia me dar uma orientação? Estou perdido... – disse o sujeito, o braço pendurado do lado de fora da porta. Aproximei-me solícito, com uma expressão afável.

– Pois não? – repeti, e súbita e estranhamente, o semblante do homem caiu. Era um rapaz jovem (não devia ter trinta anos) olhos pequenos, queixo largo, barba por fazer.

– Minha mulher... eu acho que ela tem outro. Há muito tempo. Claro que tem. – afirmou, meio que entre os dentes, baixando o olhar. – Estou me sentindo perdido... não sei o que fazer! – concluiu pesaroso.

Ô, cacetas. Agora, quem não sabe o que fazer sou eu. Meu sorriso também se desfez, enquanto eu refletia em como sair da situação, naqueles pentelhésimos de segundo. Pensei em simular uma ligação no celular e sair de fininho, mas nem isso eu podia, com as mãos ocupadas com as gratuitas sacolas biodegradáveis. Além disso, um camarada que pede conselhos a um desconhecido na rua, está definitivamente precisando de ajuda; eu preocupado em chegar ao estacionamento e o sujeito ali, no que fazer da vida. Senti o rosto ruborizar.

– Já falou com um terapeuta? – perguntei, a única coisa que me passou pela cabeça na hora. Uma revoada de gargalhadas veio do bar e sobrevoou nossas cabeças, desaparecendo na imensidão do éter.

– Dois. Um disse para eu deixar de me culpar, o outro falou que eu estava dando um enfoque muito grande para uma mera possibilidade. Mas ela tem outro, eu sinto! – respondeu ele, tornando a me encarar, os olhos marejados. Ajeitei as sacolas nas mãos.

– E um padre? Procurou algum padre, um pastor? Com certeza um padre ou um pastor deve ter um bom conselho para você... – continuei, tentando francamente ajudar o cara e continuar meu caminho, é claro. Eu precisava buscar meus filhos e encontrar Dona Maria.

– Esse aí disse para eu confiar nos desígnios do Senhor e rezar para aquietar meu coração. – respondeu após um breve silêncio, os lábios trêmulos. As alças das sacolas começavam a arder nos dedos.

– Pô, irmão. Não acha que foram bons conselhos? Digo, não precisa escolher entre um e outro. Faça tudo isso. Não se culpe, não dê atenção exagerada para a situação e, principalmente, confia em Papai do Céu. Aliás, não acha que seria bom ser sincero e simplesmente conversar com sua esposa? – orientei, lembrando dos meus compromissos. Dona Maria já devia estar me aguardando. Tenho que ir para o estacionamento, pegar um na escola, outro no dentista e depois Dona Maria.

– Eu tenho medo, cara. E se for verdade? O que eu faço? – perguntou ele, desviando o olhar outra vez. Ajustei as sacolas nas mãos, mais uma vez, e respondi, de pronto.

– Se for verdade, segue em frente. Se não for, segue em frente também. Só isso. – aconselhei, sem pensar direito. – Amigo, desculpe, eu preciso ir agora... – complementei, afastando-me lentamente, a face corando outra vez, quando me dei conta da responsabilidade que eu tinha naquele momento.

– Ah, sim, sim... me desculpe! – disse o rapaz, sem jeito, colocando novamente o braço para dentro do carro.

– Siga em frente... – repeti, chegando na calçada. O cara sorriu com os lábios presos, parcialmente franzidos e fez um aceno de cabeça.

– Obrigado, amigo. Muito obrigado! – agradeceu o homem, arrancou com o carro, e nunca mais vi tal criatura na minha vida.

E eu? Saí cantando pneus para o estacionamento, as sacolas de mercado mais pesadas do que nunca. Entreguei o ticket com dificuldade no guichê, saquei a chave no bolso (também com dificuldade) e, finalmente, entrei no carro, observando as mãos vermelhas e trêmulas antes de pegar no volante, e dar a partida.

Terráqueo, terráqueo. Eu não sei pelo que você está passando (questões financeiras, familiares, profissionais, etc.), afinal, todo mundo passa por uma coisa ou outra ao longo da vida. Contudo, seja o que for, não se acanhe em pedir ajuda. Nem sempre resolve, vale frisar, mas é muito melhor do que carregar todo o peso sozinho.


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