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O passado esquecido da escravidão em Nova Friburgo

No aniversário da abolição da escravatura, conheça passagens de um período triste da história do município e do Brasil

Por Bernardo Fonseca
13/05/21 - 12:01
O passado esquecido da escravidão em Nova Friburgo Quadro do pintor Debret representa a escravidão no Brasil | Foto: Reprodução/Debret

Quem vê o movimento intenso no entorno do Paissandu e a praça Marcílio Dias com jardins bem cuidados, nem imagina o que já aconteceu neste local de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio. Ali ficava, no século 19, a praça do Pelourinho, onde muita gente sofreu tortura e humilhação.

“Era onde se davam as punições, pois elas precisavam ser públicas e exemplares. Por isso, acredita-se que nesta praça muitos escravos foram chicoteados, punidos, pois era uma prática da sociedade escravista daquela época”, conta a historiadora Janaína Botelho.

Praça do Pelourinho é agora a praça Marcilio Dias Praça do Pelourinho é agora a praça Marcilio Dias | Foto: Reprodução/Portal Multiplix

Esse relato dá conta de um período nem sempre lembrado da história de Nova Friburgo, cujo passado é muito associado à colonização suíça e alemã. “A gente teve escravidão e aproximadamente na metade do século XIX a população branca era quase do mesmo número da população escrava”, conta Janaína.

Saindo do Paissandu, chega-se à praça Getúlio Vargas, endereço do Solar do Barão, atual Fundação Dom João VI. Um dos prédios mais icônicos da cidade e que também tem um passado escravocrata. O antigo proprietário, o Barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, além de ser dono, era também traficante de escravos.

“É quase certo que ali ficavam os escravos domésticos que atendiam à família do barão. Então, é o lugar mais simbólico de memória da escravidão no município”, avalia a historiadora.

Fora do centro, a rua Mathilde Queiroz, no loteamento Tio Dongo, em Conselheiro, é outro importante ponto de memória sobre a escravidão. Existia ali um casarão, sede da antiga Fazenda Ponte de Taboas. Certa vez, escravos se revoltaram contra a violência que sofriam do administrador.

“Depois de (os escravos) serem punidos era posto molho de pimenta nas feridas, eram dadas cutiladas, pranchadas... até matava. O administrador era uma pessoa muito agressiva e os escravos acabaram fugindo”, explica.

Mas a fuga não foi para sempre. Janaína explica que os escravos queriam, na verdade, chamar a atenção do proprietário da fazenda que não ficava lá. “No retorno (da fuga) ao local eles mataram o ferreiro. Então, teve um processo (judicial) e por isso esse caso ficou registrado”, complementa.

A barbárie, sob a ótica do século 21, era prática recorrente. E a sociedade de Nova Friburgo convivia com a escravidão de forma natural.

“O que mais surpreende é que realmente os suíços se adaptaram a esse modelo escravista da sociedade brasileira e quando puderam, tiveram escravos. Era uma sociedade muito violenta e muito agressiva”, finaliza.

Consequências do passado permanecem

A escravidão acabou há mais de 130 anos, quando houve a assinatura da Lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888. Contudo, as consequências desse período permanecem para milhares de friburguenses.

“Houve uma escravidão e uma abolição, mas fomos ignorados. Nós não tivemos os nossos direitos garantidos enquanto cidadãos brasileiros. Fomos largados à margem, em guetos, acabamos nas favelas e comunidades, o que vem refletindo até os dias de hoje, em 2021”, explica Eliane Santos, que é integrante da colônia Pan-Africana de Nova Friburgo e assessora da presidência do Centro Cultural Afro-brasileiro Ysun-Okê. As duas instituições existem para resgatar os valores e as heranças culturais africanas, bem como evidenciar a importância desses povos para a formação do município.

Eliane afirma ainda que a população negra, em Nova Friburgo e em todo o país, foi esquecida. “As políticas públicas não são pensadas com equidade. Se faz de um modo geral, não atendendo as especificações das pessoas negras, que enfrentam muito mais dificuldades em termos de violência, de saneamento básico, de educação, na parte profissional etc.”, diz.

A mais recente pesquisa Pnad Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicada em 2020, escancara essa realidade. Uma pessoa negra ganha, em média, bem menos do que um branco. O desemprego entre negros também é maior. Existem muito mais pessoas negras na pobreza ou na miséria do que brancas. E os números da educação também mostram essa herança de desigualdade, com o dobro de pessoas negras analfabetas em relação aos brancos. É como se nascer negro no Brasil fosse quase como ter nascido em outro país, em termos de realidade vivida.

Não existe solução para uma escravidão. Existem políticas de ações afirmativas com equidade, existe trabalho, existem discussões que precisam ser feitas sobre o racismo estrutural e institucional. Não só no país, mas principalmente em Nova Friburgo, que é o lugar onde nós estamos.

Quando questionada a respeito do aniversário da abolição da escravatura, Eliane é categórica: não há o que celebrar.

“O 13 de maio para nós do movimento negro não é motivo de comemoração. A abolição só veio depois de muita luta de abolicionistas e de negros que já haviam fugido, e de uma pressão europeia pelo fim da escravidão no Brasil. O negro construiu esse país e também Nova Friburgo, e ele precisa ser respeitado, ter sua dignidade valorizada. Nós só conseguimos viver e sobreviver porque somos guerreiros e sempre seremos”, finaliza.

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