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A força

Por Rachel Rabello
20/08/18 - 09:15
A força

A vantagem de ir para um lugar onde ninguém nos conhece é que podemos ser quem quisermos. Isso é um clichê, mas penso que clichês são clichês por serem algo como um dito popular: sabedoria (ou ignorância) coletiva. Mas voltemos ao ponto. A mudança física, externa, para outra cidade acabou por provocar uma mudança interna também. Não foi algo planejado e nem é algo finalizado, é um processo que me foi natural e que ainda está em andamento.

Acho que foi nesse espírito que cogitei fazer uma aula de Muay Thai. Os que me conhecem sabem o quanto isso é inusitado, que eu tenha cogitado fazer e tenha de fato feito uma aula de boxe tailandês. Nunca me interessei muito por esportes, gosto de expressar meu corpo na dança. Mas não há escolas de dança próximas à minha casa. Há, sim, uma academia de ginástica, com planos de musculação, treinamento funcional e lutas: Jiu Jitsu e Muay Thai.

Lembrei de uma amiga que fazia dança Tribal americana (ATS - estilo que mistura elementos de dança do ventre, flamenco, dança indiana e outros estilos de tribos nômades do Oriente Médio) e lutava boxe tailandês. Eu já sabia que muitas mulheres procuravam o Muay Thai principalmente pela grande perda calórica que a luta proporciona e por se tratar de um exercício mais dinâmico que o combo musculação e esteira. Mas o que essa amiga me disse é que o que a interessava, o que chamava mais sua atenção, era o quanto o boxe tailandês exercitava a defesa, me contou que lutava com os punhos cerrados junto ao rosto. Aquela imagem me marcou.

Anos depois, no Piauí, eu resolvi experimentar. E me apaixonei.

Não vou aqui entrar em detalhes sobre em que consiste uma aula de Muay Thai. Resolvi escrever sobre isso porque tive algumas epifanias. Senti que eu exercitava algo que nunca fora trabalhado em mim: a assertividade. O que eu entendi é que luta não é sobre agressividade ou raiva, diria até que não é sobre ataque, mas sobre assertividade e defesa. Defesa de seu território, defesa de seu corpo, defesa de seus ideais, defesa de seus direitos... Ser assertivo é ser afirmativo, seguro, firme. Pensei o quanto teria sido bom se eu tivesse feito uma luta quando criança, o quanto teria aprendido sobre a dor física: que ela passa; sobre o medo: que ele é maior que a dor do soco; sobre força: que ela vem de dentro, não é preciso gritar, não é preciso bater, só é preciso ser assertivo.

No tarot de Marselha, a carta que representa A força é ilustrada por uma mulher que abre a boca de um ser que se assemelha a um leão. Sua expressão não é de esforço, de raiva, nem de descontrole, mas de tranquilidade. O que eu descobri com o Muay Thai é que o exterior e o interior são duas faces de uma mesma moeda (mais um clichê?). O que está no alto é como o que está embaixo, o que está fora é como o que está dentro. Não é que antes eu fosse fraca, mas era insegura. Sempre tive dificuldade em me impor, em dizer não, em pedir um aumento, em passar por uma entrevista de emprego... Não é que eu não soubesse do meu valor, é que os músculos da assertividade nunca tinham sido trabalhados. Vejo que isso acontece com muitas mulheres e sei também que muitas nunca pensaram em fazer uma luta e/ou nunca foram incentivadas a isso. Penso no quanto essa falta do exercício de nossa força física nos torna vulneráveis. Eu fui à pé para a academia e era noite, estava escuro, ninguém passava na rua, não conheço essa terra. Tive medo, mas me recusei a ir de carro para um lugar que estava a cinco minutos da minha casa. Quando saí da aula, pensei: agora pelo menos terei chance de me defender. Eu nem reparava mais o quanto essa vulnerabilidade afeta nosso direito de ir e vir... Por todos esses motivos, precisei compartilhar essa experiência com outras mulheres e dizer que, se eu tiver uma filha, ela fará uma luta (de sua escolha) para aprender, por si só e organicamente, o que eu não pude aprender. A assertividade não é algo que se aprende por palavras.


O Portal Multiplix não endossa, aprova ou reprova as opiniões e posições expressadas nas colunas. Os textos publicados são de exclusiva responsabilidade de seus autores independentes.


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