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O mundo paralelo

“Tenho andado distraído, impaciente e indeciso. E ainda estou confuso, só que agora é diferente...” (Legião Urbana)

Por George dos Santos Pacheco
27/10/21 - 12:00

Caminhava apressado pelo corredor, balançando a pasta de couro, sem muito cuidado. Com a outra mão digitava ao celular “estou atrasado, me aguarde, por favor", e ato contínuo, estacando diante das portas metálicas, calcou o botão do elevador. Parou ligeiramente ofegante e tornou a digitar, agora em resposta à mulher. Conferiu brevemente o mostrador digital indicando os números em ordem decrescente e tornou à tela do smartphone.

Acessou o motor de busca e as sugestões do “discovery”. “Entenda como o tempo deve continuar instável nos próximos dias”; “Como a depressão e a ansiedade podem afetar o corpo”; “As melhores capas de discos de todos os tempos”… entre várias outras notícias e matérias jornalísticas de portais eletrônicos que surgiam com o deslizar dos dedos.

As portas do aparelho, em inox escovado, abriram-se cadenciadamente, como naquele antigo programa de TV, e o homem entrou no momento em que ele clicava em uma daquelas novas. Era incrível como a tecnologia havia revolucionado a vida humana. Aquilo era um mundo de conhecimento na palma das mãos, algo que jamais havíamos experimentado até então.

Mais uma mensagem para a esposa. “Me espera do lado da rodoviária, vou pegar o carro e ir até lá, que é mais fácil de parar”, digitou, fazendo uso do recurso de sugestão de palavras do teclado, acionando o botão de enviar, logo em seguida. O reloginho ficou piscando ao lado do texto, sem concluir a tarefa, e subitamente, num solavanco, o elevador parou, apagando todas as luzes – exceto as de emergência, que se acenderam num assalto.

– Ora! Q-quem é você? – inquiriu quase num grito, ao perceber o outro ao seu lado, também com o celular em mãos.

– Como quem sou eu? Quem é você? De onde você veio? – redarguiu intrigado o primeiro, afastando-se para um canto, como se diante de um fantasma.

– De onde eu vim? Você é maluco? Eu entrei no sétimo! – respondeu o segundo, estupefato e com a voz carregada de gravidade, sentindo-se ludibriado.

– No sétimo? Impossível, eu entrei no sexto e não havia ninguém aqui. – disse o primeiro, com desdém, encostando o ombro na lateral da caixa e clicando o celular. Bufou, impaciente. Não havia sinal.

“Impossível” digo eu, nós não paramos no sexto. – argumentou o segundo com desprezo, despertando novamente a atenção do outro. Também riscou a tela do telefone com o dedo, mas nada, nadinha. Neca de pitibiribas. Sem sinal de internet ou rede de telefonia.

– Ora, mas é claro que paramos. E eu sou o quê? Uma entidade de outra dimensão, de um mundo paralelo que se materializou sem mais nem menos? – esbravejou o primeiro, virando-se novamente para seu interlocutor, meneando o celular na direção do outro e dando eventuais cuspidelas durante a articulação das palavras.

– Eu é que não sou! – respondeu o segundo, explodindo numa gargalhada, e o outro riu também. – Que merda, hein cara?

– Porra, nem fala. Minha esposa está me esperando e ela vai acreditar em tudo, menos que o elevador quebrou comigo dentro. E este tempo?

– Vi na internet que só deve melhorar mesmo depois do Finados. – disse o segundo, olhando a tela do celular num suspiro enfastiado, quando, erguendo o olhar, percebeu o crachá no peito do outro. – Ué, você trabalha na Clínica?

– Sim, sim.

– Mas é novo, não é?

– Depende do ponto de vista. Estou lá há quatro anos.

– Quatro? Cara, não pode ser. Eu trabalho lá há três anos… – explicou o homem, puxando o crachá do bolso com uma das mãos, para confirmar.

– Como a gente não se conhece? – concluiu meneando o celular, num movimento entre ele e o outro.

– Cara, essa vida é muito corrida, não é? – esgrimiu o primeiro, franzindo o lábio num muxoxo. Ameaçou conferir o aparelho telefônico outra vez, mas desistiu.

– Muito, muito. Viu que eles passaram uma lista para a gente fazer um serão no sábado? Ei! Olha o sinal voltou… – observou o segundo, e ambos encararam os olhos da Medusa outra vez. O elevador, noutro solavanco, voltou a funcionar e após uns estalos no cabeamento, tornou a descer os andares em velocidade regular e constante. Freou e com um discreto sinal sonoro, abriu as portas no térreo.

– Valeu amigo, desculpe, mas estou com um pouquinho de pressa! – saiu o primeiro, com passos fugazes, digitando qualquer mensagem no celular e balançando a pasta de couro, sem muito cuidado. Naqueles poucos e breves minutos de suspensão da realidade, não trocaram nem ao menos os próprios nomes.

– Valeu, valeu... – respondeu o segundo, sem muita atenção, também caminhando apressado. Não o acompanhou com o olhar, impressionado pelas manchetes do discovery, que lhe davam a sensação de estar bem informado.

O terceiro saiu calmamente, pé ante pé, encarando o livro atenciosamente, absorto na trama que se desenrolava em voltas e reviravoltas. O culpado não era quem ele pensava, afinal. Mas quem era, então?


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