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O martelo de prata

Por George dos Santos Pacheco
03/08/22 - 10:32

“O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum, aos outros.” (Confúcio)

Era um típico fim de tarde em Nova Friburgo. O início de outono ainda carregava reminiscências da última estação, sem abrir mão dos já conhecidos traços da próxima, numa atmosfera idílica, de céu próximo e azul, as paredes seculares de morros e montanhas. Nada que nos fosse incomum. Aguardávamos a chegada de um visitante ilustre, na ocasião. Já devia ter chegado, é verdade. Mas vá lá: fosse eclesiástico, poético, político ou qualquer outra proparoxítona, sendo ilustre, podia dar-se ao luxo disso. E nós, de aguardarmos pacientemente e com bom humor.

O que não falta numa situação dessas são alarmes falsos e conversas incidentais. “Chegou?”, “Não, não chegou.”. “E agora?”, “Também não.”. “Não Habemus Papam”, eu disse no último alerta capcioso, só para descontrair, e o Dr. Marcos, num átimo, aproveitou o mote, perspicaz:

Habemus Papam é a frase com que se anuncia a eleição de um Papa, a “chegada” de um novo pontífice. Mas antes, acontece um ritual curioso: o responsável por declarar oficialmente a morte de um Papa, o Camerlengo da Cúria Romana, chama três vezes pelo nome de batismo do Santo Padre e, após, bate na testa do Papa com um martelo de prata. Somente depois disso o trono de Pedro é considerado vacante.”

O ritual culminava na destruição do Anel do Pescador, símbolo máximo da autoridade papal, após sua morte. Enfim, não vem ao caso maiores detalhes e como diria meu amigo Nelson, deixemos logo o acessório, e sigamos para o essencial.

Imagine, cara pálida, a responsabilidade de se atestar a morte do Papa! Será que o tal Camerlengo sente um frio na barriga antes de bater na testa do pontífice? Pá! Afinal de contas, tudo que exige de nós um comprometimento maior, gera apreensão e desconforto. Ainda mais num caso desses. Não dá para haver alarmes falsos. “Morreu?”, “Não, não morreu.”. “E agora?”, “Também não.”. Definitivamente, não. E é por causa disso que a maioria de nós não quer “bater o martelo” e lavabo manus. Sendo a responsabilidade muito grande, a omissão torna-se o caminho mais fácil. Melhor que decidam por nós. Podemos nos dar ao luxo disso? Eu acho que não.

Fato é que bizarrices se sucedem todos os dias por conta de comportamento tão arraigado ao gênero humano (isso aí, desta feita não é culpa do tupiniquim). Ninguém quer decidir nada, ninguém quer assumir um posicionamento, resolver os nossos pequenos dilemas do cotidiano, mesmo no conforto de nossos lares. “Pai, posso brincar com o Zezinho?”, “Pergunte à sua mãe.”. Ora, bolas. Tome tenência!

Isso lá tem cabimento?

Nem um pouco. Mas assume proporções exosféricas, quase siderais, todo ano de eleição: murmura-se por todos os cantos, bares, pontos de ônibus, mesas de jantar; opiniões são defendidas com entusiasmo, sem que se tornem votos, de fato. É melhor dar um passo atrás e esconder-se nas sombras, posto que, fugindo de um dever cívico, foge-se, também (e principalmente) da responsabilidade. Se algo der errado, é fácil apontar o dedo, justificar o resultado por não ter participado do processo.

Seria cômico se não fosse trágico, não é? Pois este “medo” da responsabilidade está mais próximo da falta de brio e honradez, algo tão criticado em nossa tão recente história e, curiosamente, tão perpetuado. Qual a dificuldade em nos livramos de vez desse vício?

O que nos falta é melhor discernimento para tomar juízos e atitudes mais adequadas, além coragem moral para fazê-los, sem esquivar-se e atribuir a responsabilidade a outros. As decisões não cabem a homens ilustres, qualquer que seja sua proparoxítona, mas ao homem do dia a dia, das situações comuns e corriqueiras. “Para a direita ou para a esquerda?”, “Você é quem sabe!”; “Garantia estendida?”, “Espera aí que eu vou perguntar para a minha mulher...”. Incumbido terráqueo, bata o martelo, com frio na barriga ou não. Ao menos pelo orgulho em afirmar que foi decisão única e exclusivamente sua. E Habemus Papam!


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