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Enquanto houver racismo não haverá democracia

Temos que acordar do sonho racista em que vivemos

Por Conrado Werneck Pimentel
26/06/20 - 17:59

A redenção de Cam: o ideário da sociedade brasileira na primeira metade do século XXA redenção de Cam: o ideário da sociedade brasileira na primeira metade do século XX | Foto: Reprodução/Internet

O título da coluna deste mês é o nome de uma campanha realizada pela Coalizão Negra por Direitos. Você pode ler o manifesto aqui.

Os dados mais recentes mostram que são os negros os mais acometidos pela Covid-19 – são, inclusive, maior parte dos trabalhos que, no momento, são considerados como “essenciais”; são os maiores em penitenciárias, compondo 60% do total; quase 50% dos presos no Brasil estão relacionados ao tráfico de drogas e à convencional “guerra às drogas”, que atinge em especial a população negra); são os que mais estão suscetíveis às mudanças climáticas; são os que mais morrem na mão das polícias militares de todos o país; 47,3% compõem o trabalho informal no Brasil. As desigualdades sociais que esse país amarga e mantém, em grande parte, se explica pelo racismo estrutural, fundamental em nossa sociedade. Quase todas – se não todas – as instituições brasileiras são permeadas pelo racismo.

Toda a história do Brasil foi e é perpassada pela negritude – e pela tentativa de exclusão ou de sua ocultação – e de seu extermínio. A Lei de Terras, de 1850, regulamentava a posse de terras no país somente através da compra. Esta lei ficou em vigor até 1964. Portanto, por mais de 1 século, houve apenas uma forma de aquisição de terras – forma esta estritamente excludente. Em uma sociedade escravocrata, como era, à rigor, até 1888, esta foi uma das maiores contribuições para a desigualdade social no país e fato estruturante do próprio racismo. O mesmo se dá, por exemplo, com o símbolo da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro: um pé de cana e um pé de café – ambos sustentados pelo sistema de escravidão. O papel da PM, portanto, nada mais é do que a proteção da propriedade privada e da ordem pública. No que tange à urbanização das metrópoles brasileiras, ao negro recém-alforriado cabia a permanência nos locais ao qual servia ao seu antigo senhor, à mendiguez nas ruas ou a busca por locais de moradia que fossem próximos aos centros urbanos onde havia oferta de trabalho. Quando não eram expulsos à pretextos higienistas, tal qual o desmonte do morro do Castelo, no Rio de Janeiro, ou à pretextos de expansão do mercado imobiliário, como em São Paulo, o eram em nome de uma modernidade europeizada e europeizante; mais recentemente, pelo processo de gentrificação. Este é um ponto crucial na compreensão de como se entranha a ideia do racismo do país: teses pseudocientíficas da racialização, de superioridade branca e da necessidade de embranquecimento da população eram comuns em todos os extratos da sociedade brasileira. A imigração de europeus após a Abolição da Escravidão foi o pontapé inicial para a criação do imaginário do processo embranquecedor que o Brasil passaria.

Portanto, ao longo dos quase 2 séculos da Independência brasileira frente a sua colônia, o Brasil trabalhou frequentemente para que se deixasse morrer a população negra – seja quando ainda eram escravizados, seja quando recém abolidos, seja com direitos sociais, políticos e representatividade assegurados mas, ainda assim, em situação precária. Precisamos entender que o projeto de alta mortandade entre negros – seja por Covid-19, seja pelas mãos da polícia, seja pela dificuldade de acesso à saúde pública e saneamento básico – tudo isso faz parte de um ranço e rancor que a sociedade brasileira perpetua, tanto em suas relações sociais quanto em suas instituições.

Um país que evoca a luta e a defesa pelo que se convencionou chamar como “Democracia” não pode deixar de notar que tal estado de coisas é algo que não pode ser chamado, necessariamente, de democrático, posto que 56% da população, que é negra, não vive sob as mesmas condições dos brancos. Portanto, não há luta democrática possível – seja pela manutenção de um sistema representativo, seja pelo seu aprofundamento – que não seja, necessariamente, antirracista. Não é possível que o sistema de desigualdade social seja mais perpetrado, seja pelas instituições ou pela sociedade, em um momento em que, à torto e à direito, seja transmitida a ideia de “novo normal”, que nada mais é do que a manutenção e o aprofundamento destas mesmas desigualdades. Enquanto houver a concepção de que é possível que uma grande parte da sociedade brasileira seja deixada à mercê da criminalização, da prisão, do assassinato, que continue sendo negado acesso a direitos básicos como saneamento, saúde e educação, não haverá democracia possível no país. A grande naturalização da morte que se vive neste país, a insensibilidade com os mais de 1000 mortos por dia por Covid-19, pela violência policial contra corpos negros, pela injustiça e ineficácia do sistema judicial brasileiro – ou seja, a pura e simples banalização da violência contra determinados corpos – não pode mais ser deixada de lado.

E isso se deve, principalmente, à parte da população branca que, tal qual em um quadro, a violência, a morte e o apagamento de alguns faz parte de uma paisagem natural e bucólica. É deste sonho racista de embranquecimento que me refiro no subtítulo da coluna deste mês. A luta por uma democracia real, e não a defesa de uma democracia meramente legal, portanto, deve ser intrinsecamente antirracista, e enquanto nós, brancos, não fizermos parte dessa luta, não haverá democracia possível.


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